Matéria na Carta Capital sobre projeto de combate a Aids do INLS – Instituto Nacional de Luta contra a Sida
Na última edição de dezembro da Carta Capital foi publicada uma matéria sobre o programa Angolano de combate a Aids e de seu coordenador geral o Sr. David Uip. Nessa entrevista é possível se ter uma dimensão do meu trabalho e o contexto que estou inserido. Só para lembrar faço parte desse grupo sendo contratado para desenvolver os sistemas informatizados que vão dar apoio a todo esse programa.
www.cartacapital.com.br/edicoes/2006/12/424/em-luta-contra-a-aids
Em luta contra a Aids
Um grupo de médicos brasileiros desenvolve há três anos um ousado projeto em Angola. Eles já conseguiram mudar a realidade da síndrome no país, como relata o mentor do trabalho, David Uip
Apesar de todos os avanços, ainda hoje mais de 30 pessoas morrem por dia, no Brasil, em conseqüência da Aids. Houve melhora no tratamento da doença, como os novos medicamentos cada vez mais eficazes. Quanto à prevenção, o mundo ainda não descobriu a forma mais adequada de enfrentar esse problema. Tanto em países do Primeiro Mundo quanto no Brasil, a situação ainda é preocupante. O problema é pior em países subdesenvolvidos, como no continente africano. Apesar dessas notícias, os brasileiros têm conseguido ajudar outros países na implantação de programas eficientes para a Aids.
Há três anos um grupo de médicos, enfermeiros e gestores brasileiros, liderado pelo infectologista e professor da Faculdade de Medicina da USP, David Uip, iniciou um projeto ambicioso em Angola. O objetivo era auxiliar o Ministério da Saúde daquele país a controlar a epidemia. A luta contra a Aids em Angola era precária, semelhante à de seus vizinhos do continente. Hoje, Angola é reconhecida pela ONU como um dos quatro países da África com melhor estrutura contra a doença. O avanço é significativo e os números que Uip mostra a seguir impressionam.
Entre 2004 e 2006, houve aumento de 1.000% no número de unidades de atendimento implantadas no país, de 2.000% no número de gestantes atendidas e de 1.800% na cobertura pré-natal. Uma verdadeira revolução em pouco mais de três anos. “A associação entre o grupo brasileiro e os médicos e autoridades de saúde angolanos produziu resultados que realmente nos orgulham”, afirma Uip.
Na entrevista a seguir, ele fala sobre esse projeto, as dificuldades e conquistas, além da possibilidade de aplicação desses mesmos métodos em outros lugares no mundo.
CartaCapital: Como foi concebido esse projeto?
David Uip: Pensamos em um projeto de grande potencial e de grande impacto. Desde o início optamos pela estratégia de cortar a transmissão vertical da Aids, ou seja, a transmissão de mãe para filho recém-nascido durante a gravidez e/ou o parto. Focalizamos nossa atenção na mãe, no parceiro e no filho.
CC: Essa via de transmissão de mãe para filho é freqüente?
DU: É muito freqüente e constitui um problema de saúde pública, principalmente na África, onde em alguns países essa transmissão pode atingir 50% dos recém-nascidos.
CC: Qual é a porcentagem de transmissão de mãe para filho no Brasil?
DU: Dados oficiais do Ministério da Saúde detectaram uma redução para 8% no Brasil. Mas, em alguns lugares afastados ou no interior, essa taxa pode atingir até 12%, o que considero muito elevada.
CC: Qual seria a taxa considerada ideal, ou pelo menos aceitável?
DU: Menos de 1%.
CC: Qual foi o impacto desse projeto sobre a transmissão vertical em Angola?
DU: Os dados mais recentes liberados pelo Ministério da Saúde de Angola mostram que apenas 4% dos casos de Aids são devidos a esse tipo de transmissão.
CC: No que se baseia esse projeto?
DU: Ele disponibiliza, nas diversas regiões de Angola, não somente na capital, Luanda, centros que se dedicam à educação continuada da população, a programas de seguimento pré-natal rigoroso, a métodos diagnósticos mais precisos e a medicamentos para tratamento de casos de HIV. Recomenda-se hoje que, feito o diagnóstico de uma mãe com Aids, imediatamente se inicie o seu tratamento durante a gravidez.
CC: Houve dificuldades na implantação das recomendações internacionais para Aids em Angola?
DU: Muitas. Por exemplo, recomenda-se que o parto de mulheres portadoras de HIV seja realizado com muito cuidado, inclusive favorecendo as cesáreas, além de se evitar a amamentação. Em Angola tivemos de “ambientalizar” esse processo.
CC: Como?
DU: Por exemplo, não eliminamos o leite do peito por causa das condições culturais e sociais regionais. A cesárea também não foi preconizada de um modo uniforme em todo o país. Nas regiões onde a cesárea era de alto risco ou realizada em condições precárias e com taxas de complicações elevadas, esse procedimento não foi recomendado. Assim mesmo atingimos uma redução drástica na incidência de Aids nos recém-nascidos, baixando para 4%.
CC: Por que, no Brasil, estamos tão acima dos resultados de Angola?
DU: Provavelmente, pelas dimensões do País, pelo número de habitantes. Em resumo, por problemas de acesso da população aos programas eficientes. O desafio, na realidade, é criar condições para que haja maior acesso tanto à prevenção quanto aos tratamentos pela população brasileira.
CC: Como vocês começaram o projeto em Angola?
DU: Na verdade, em Angola, já existiam mais de 40 grupos e ONGs tentando, há anos, criar projetos para controle da Aids, sem muito sucesso. Fui convidado pelo governo angolano inicialmente para criar um projeto que coordenaria a ação dos grupos e organizações já em atividade no país. Mas percebi que o foco deveria ser diferente. Apresentei, então, o nosso projeto, que foi bem aceito. Tanto que o presidente de Angola assumiu-o como prioridade de seu governo.
CC: Quantas pessoas trabalham no projeto atualmente?
DU: Temos seis médicos e quatro enfermeiros brasileiros, além dos médicos e enfermeiros angolanos. Quatro dos seis médicos e as quatro enfermeiras moram em Angola. São pessoas de grande coragem e que merecem todo meu respeito.
CC: Quais os segredos do sucesso do projeto?
DU: Vários fatores ajudaram, como centrar a atenção numa parcela definida da população de risco, a mãe e o filho. Também criar um consenso na terapêutica viável em Angola, ambientalizar maternidades para atendimento adequado de doentes de risco e estabelecer a cultura do cuidado pré-natal e do parto assistido. Até 2003, em Angola, um grande número dos partos era realizado fora de centros médicos, em casa. Treinamos médicos e enfermeiros angolanos no cuidado com a Aids em programas de intercâmbio com instituições no Brasil, como o Hospital das Clínicas da USP, o Hospital Sírio-Libanês e a Fundação ABC. Trabalhamos com educação e conscientização continuada na população e criamos um banco de dados contínuo para avaliar os resultados. O mais importante foi criar um programa com objetivo e fim claros. E o projeto de transferência de know-how para a medicina angolana.
CC: E como vocês faziam para prevenir a infecção das mães?
DU: Nosso projeto conseguiu instalar um programa abrangente de distribuição de preservativos. Entre 2000 e 2004, foram distribuídos 2,4 milhões de preservativos. Somente no ano de 2005, conseguimos distribuir 2,6 milhões. Em 2006, até outubro, já foram distribuídos 9,6 milhões. É um aumento impressionante.
CC: Como foi a repercussão do projeto?
DU: Os resultados recentes, que estou divulgando a CartaCapital em primeira mão, atestam claramente os avanços. Há poucos dias, nosso projeto em Angola foi muito comentado pelo ONU-Sida (o programa de Aids das Nações Unidas), que destacou Angola como um dos quatro países africanos que mais avançaram em 2006 no tratamento da Aids.
CC: Esse projeto pára por aí?
DU: Desde a sua concepção, queríamos um projeto com início, meio e fim. Não seria eterno. Agora, entregaremos essa estrutura para os médicos angolanos. Mas temos para o futuro outros projetos semelhantes, para tuberculose, malária e leptospirose. Também já fomos contatados por outros países da região.
CC: O projeto atual teve ligação com o Ministério da Saúde do Brasil?
DU: Não. No entanto, o ex-ministro da Saúde Humberto Costa disponibilizou tratamento para cem pacientes angolanos gratuitamente.
CC: Os senhores tiveram algum contato com o setor privado brasileiro?
DU: Não para esse projeto. Mas existem muitas empresas internacionais brasileiras que nos têm procurado para ajudá-los a montar projetos sociais, que hoje são uma exigência como contrapartida de empresas multinacionais que queiram se instalar em um país da África. Poderemos ajudar muitas empresas brasileiras a cumprir essa obrigatoriedade de projetos sociais.
Uma vacina pode não ajudar
Especialista alerta para o risco de agravamento da epidemia
Encontrar uma vacina para Aids não necessariamente significaria a diminuição do número de pessoas infectadas ou o controle da disseminação da doença. Parece um contra-senso, mas não é. “Dependendo da eficiência da vacina encontrada, ela pode até aumentar a incidência de Aids na população, em vez de diminuí-la”, declara o professor da Faculdade de Medicina da USP e líder de um grupo de estudiosos ligados ao Departamento de Informática Médica, Eduardo Massad. Nesse grupo, calcula-se o valor da prevenção através de estudos de modelos matemáticos aplicados a problemas de saúde pública, principalmente a estratégias de vacinação.
Pensando de forma simplista e intuitiva, tendemos a acreditar que, mesmo que uma vacina proteja apenas 20% dos vacinados, serão 20% menos pessoas infectadas. Automaticamente, pensamos, haverá um impacto na redução do número de aidéticos alguns anos depois. Mas não é bem assim. Uma vacina com baixa eficácia (como os 20% do exemplo) pode, na realidade, aumentar a incidência de Aids exatamente porque a pessoa vacinada se sentirá “protegida”. Mesmo não sabendo ao certo se está ou não imune ao vírus, ela tenderá a acreditar que está a salvo. Diante disso, os modelos matemáticos criados pela equipe de Massad conseguem quantificar o prejuízo teórico de uma vacina pouco eficaz na população. “A pessoa com a falsa sensação de segurança tende a ter maior comportamento de promiscuidade”, explica Massad. Haveria um relaxamento no cuidado e na prevenção. “O primeiro prejuízo seria o efeito desinibição”, explica o médico.
Estudos recentemente publicados pela equipe de Massad demonstram claramente o provável efeito nocivo, não somente de uma vacina pouco eficaz, como também de remédios pouco eficazes no tratamento da Aids. Somente quando se introduziu a associação de novas drogas contra o HIV foi possível realmente reduzir a carga viral no indivíduo infectado e, portanto, a probabilidade de infectar outra pessoa.
Com os tratamentos sub-ótimos iniciais, os modelos matemáticos desenvolvidos por Massad previram o que realmente acabou acontecendo. Os portadores de HIV vivem mais, sentem-se melhor, têm mais relações e com mais pessoas. Porém, sem perceber, ainda tinham uma carga viral no sangue suficientemente elevada para passar a doença para a frente. Assim, o número de novos infectados aumentou em vez de diminuir. As equações recentemente publicadas pelo mesmo grupo de estudos comprovam a possibilidade de uma vacina ou um tratamento pouco eficaz também modificar a virulência do vírus. O fator desinibição pode levar à troca mais freqüente de parceiros e, dessa forma, aumentar a possibilidade de infecção com cepas de HIV resistentes aos tratamentos atuais.
Assim, a bênção de tratamentos e de vacinas que protegem algumas pessoas pode transformar-se em uma espécie de maldição. Massad explica: “As autoridades da saúde pública ainda têm um planejamento precário. Continuam adotando programas baseados em premissas antigas e teorias obsoletas. Infelizmente, essas discussões e modelos não têm sido levados em consideração. A racionalização dos tratamentos, das vacinas e das campanhas poderia ter uma eficácia bem superior se todas as variáveis fossem levadas em conta no momento de estabelecer uma política de prevenção da Aids”.
Um comentário:
Olá sou renata enfermeira,tenho 2 anos de formada,pela UEPB experiência em saúde pública,especialista em UTI.No momento trabalho em programa saude da família.Gostaria muito de ir trabalhar em luanda ou na região.Por favor me mande resposta.meu e mail re_dourado@hotmail.com
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